segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Chaos a.d. (All Day)

Aqui em cima, na data, deverá ler-se 14 de Setembro, de 2010


Chove, faz sol e a mamã esqueceu-se do chapéu. Abrigou-se no prédio, o autocarro acelerou, fez de conta que não a viu e foi-se embora. A mamã desceu a rua a correr, o vento e a chuva a atravessarem-lhe a blusa fina. Fustigada pelos minutos que corriam mais do que ela estugou o passo. Vitória. Apanhou-o na curva. Mas valia não ter corrido. O raio do autocarro avariou na esquina seguinte. Há coisas que não têm mesmo que ser. E há outras que não há volta a dar. A bebé do M. Já nasceu. Com lesões cerebrais. Está nos cuidados intensivos. A vida é dura para todos, mas para alguns é implacável logo ao primeiro sopro de vida. Não há palavras para o consolar. A T. está internada com uma massa cinzenta no cérebro. Pode ser um cancro, pode ser um coágulo, pode até não ser nada nem coisa nenhuma, mas é seguramente um ponto de interrogação no futuro.
O pai não é má pessoa - e muito menos mau profissional -, mas é respondão. Ou como diria o Nicolau Breyner, naquela série de televisão sobre um condomínio de malucos, a ele ‘ninguém lhe dá baile’. O problema é que agora puseram-no a dançar ao ritmo da música deles. E o final do concerto será o que eles decidirem. A mamã desconfia que ‘eles’ não serão as melhores pessoas do Mundo para se confiar o destino de uma família.
A mamã voltou tarde, mesmo sem ter perdido o autocarro. Outros pingos de chuva a atravessarem a mesma blusa fina. A senhora da creche deposita-me nos braços dela e, assim como quem não quer a coisa, informa que sou a última a ir para casa. A mamã encolhe os ombros. Já não diz nada. Aperta-me contra o corpo. Seguimos rua abaixo. As duas. Sozinhas. Como sempre. Para sempre.

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