quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Memória

No último dia do ano, a tia R. deixou-nos uma mensagem sobre o valor da vida. Palavras de um amor supremo, libertadas por um coração à flor da pele. Mas sobretudo palavras que não tiveram medo de enfrentar o mais profundo dos nossos medos. A mamã emocionou-se ao ler a mensagem da tia R, tanto que - embora o desejasse - nem sequer a conseguiu reler. Às vezes, o silêncio é a maior das concordâncias. Mas a mamã não quer esquecer estas sábias palavras e tomou a liberdade de as transcrever aqui. Porque também é pela memória desse amor supremo que existe este blog.


"Quero memória

Quando percebi que os meus pais também iam morrer, decidi morrer com eles, ainda pequena, loira e queimada pelo Sol, numa campa debaixo da Terra, onde ficaríamos os três de mãos dadas, para a eternidade. Muitas vezes pensava quem ficaria ao lado de quem, para onde iriam os amigos, os irmãos, os cães. Aí imaginava um grande campo de areia que albergasse por debaixo da quentura do Sol dezenas de corpos de que não queria afastar-me.
Hoje peço para morrer antes de todos. Antes dos filhos, antes do meu grande amor. E digo-lhe, já sabes, quero ser cremada e não dar trabalho a ninguém, e se for preciso desligar a máquina, fá-lo por mim, com rapidez. Refaz a tua vida. Encontra uma mulher que te mereça e que te faça feliz, que te alivie a solidão. Não fiques sozinho.
Hoje acordei a pensar na morte. Na quantidade de pessoas que já me morreram. Hoje acordei a pensar que não quero morrer. Que não posso morrer. Agoniada. O que acontece quando morrermos?
Será que vou lembrar-me dos meus filhos, do meu amor, dos cães e dos gatos? Não quero esquecer-me. Preciso lembrar-me na carne do vosso cheiro, do vosso calor. É isso que quero para 2011. Que tudo permaneça mais ou menos igual, todos juntos, de mãos dadas."
R.G.

1 comentário:

  1. Sábias palavras. Emocionam mesmo não conhecendo quem as escreveu.
    Um beijinho e um bom ano de 2011.

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